
Em um tempo dentro do tempo, do fogo primordial que queimava no Coração Negro da Deusa Estrela, ela foi chamada sete vezes e contemplou sete mistérios. Sete dias, sete planetas, sete estrelas pulsantes, sete estradas, sete chaves.
O primeiro que ela encarou foi aquele que contava histórias. Ela se deitou em seu peito e ouviu todas as histórias que ele descobria passeando pelas estrelas e pelos desenhos que elas formavam. Ele contou sobre uma ursa e seu filho, sobre uma serpente, sobre centauros, sobre um cruzeiro que guia navegantes nesse e no outro mundo, sobre a lira de um guerreiro que desceu no submundo. Quando não havia histórias, ele as criava, juntava uma estrela aqui e outra ali e surgia uma nova constelação. Ela, encantada com todos os saberes que o Antigo havia descoberto deu a ele o bem mais precioso de todos: um nome. Um entre vários, um que no momento que podemos chamar de hoje, o conhecemos. Ela o chamou de Explorador de Estrelas e deu a ele o templo do Leste, do sol que nasce, do primeiro brilho do dia.
O segundo que ela avistou queimava e pulsava em um fogo tão brilhante que encantou os olhos Dela. Sua chama era tão visceral que deu cor ao universo, tudo o que era escuro agora tinha tons infinitos que somente o Explorador de Estrelas seria capaz de nomeá-las. Seu brilho tudo iluminava e por conta disso, tudo podia ser compreendido, ela viu as supernovas, frutos de seus delírios, ela viu os buracos negros, frutos de seus medos mais íntimos, ela pode contemplar o surgimento dos seus filhos, dos espíritos que vieram antes de todos os outros. Ela o chamou de Chama Brilhante. E entregou ao brilho o templo do Norte, como o sol do meio dia que tudo enxerga.
O terceiro surgiu quando ela sonhou pela primeira vez. Viu a vida e todas as possibilidades da criação nesse outro mundo que essa Antiga chamava de sonho. O paradoxo e o mistério do que havia do outro lado da escuridão dos nossos olhos a fez despertar. Conheceu a doadora de sonhos quando um dia choveu meteoritos na frente de seus olhos e se lembrou que aquilo já foi sonho um dia, que aquilo já foi Delírio e percebeu que as águas dentro do seu corpo se moviam e se agitavam quando entrava nesse outro mundo de possibilidades. Deu a ela o nome de Criadora de Água e o reino do templo do Oeste, dos sonhadores e de tudo que habita o outro mundo.
O quarto surgiu quando Ela não compreendeu como as coisas tomavam forma e materialidade. Como algo que estava dentro dela surgia de sua pele e ganhava peso, tamanho, forma e gravidade. Quando ela tocou o pó sagrado das estrelas pela primeira vez. Quando ela compreendeu que tudo o que havia sonhado era real, era palpável. Quando ela transformou areia em vidro e vidro em espelho, quando ela compreendeu os mistérios de tudo o que compunha o seu corpo. Ferro. Ferro. Ferro. Ela viu a Antiga, organizando, sintetizando, tornando real tudo aquilo que Ela havia sonhado. Tudo o que brotava do seu corpo era tocado pela Antiga. Deu a ela o nome de Mãe Escura e ofereceu a morada do templo do Sul, o templo de tudo o que não é visto, mas tudo é palpável. Tudo é possível de ser criado.
Quando contemplou os quatro primeiros, achou que tinha acabado. Mas foi num dia, num momento em que o Explorador de Estrelas contou uma história, a Chama Brilhante surgiu no norte com uma explosão, a Criadora de Água pingou em seus olhos a água sagrada da visão e a Mãe Escura materializou a sua ideia que ela percebeu: haviam mais dois. O primeiro era o que flutuava em cima dos cabelos Dela. Guardava tudo aquilo que brilhava, cuidava de seus cabelos e arrumava a sua coroa. Ele enxergava tudo e tudo o que ele enxergava Ela via. Percebeu então que não havia tomado nenhuma iniciativa sem ter consultado ele, e nem sabia quem ele era. Achava que era seu pensamento ou algo que surgiu do mundo dos sonhos. Percebeu que ele guardava o brilho que cintilava em todo o universo, como aquele que acende os lampiões das estrelas. Ela o chamou de Brilho nos Céus e deu a ele a morada acima de tudo, o templo do zênite de todas as coisas que se moviam sobre ela. Ele ficou feliz.
Foi quando ela também percebeu que se sustentava em cima de um, que caminhava abaixo de seus pés e que cuidava de tudo o que não era visto e nem tocado, diferente da Mãe Escura que ainda cuida da materialidade: Ele reinava no oculto. No mistério que só aqueles que mergulham dentro de um buraco negro, enxergariam. Ele cuida do fogo que pulsa dentro de cada estrela criada por Ela, de cada estrela lida pelo Explorador, de cada fogo que a Chama Brilhante fazia dançar na frente dos olhos Dela. Seu nome ficou conhecido como Fogo na Terra, e seu templo são muitos: é dele toda criação embutida dentro de cada estrela do universo. Se dentro de uma estrela tem fogo, esse fogo é dele.
E tudo dançava, tudo se agitava, tudo se movia. Quando a criação alcançou o seu movimento de amor e mistério, quando ela se contemplou no espelho e quando todos os espíritos surgiram, ela percebeu que era a hora de dar o nome para mais um. O coração dela precisava ser cuidado, ele era negro e pulsava em inocência e percebia que fragmentos do seu coração se espalhavam por todos os espíritos que ela criava. Precisava daqueles capazes de cuidar das chaves dos corações do mundo, que alimentassem o fogo do coração negro da inocência, que compreendesse o que ela sentia: quando amava, quando criava, quando dançava, quando explodia em orgasmo. Ela queria um amor. E do amor surgiu o último guardião. Ele foi chamado de muitos nomes: Guardião do Centro, Portador das Chaves, Guardião das Estradas, Amor das Estrelas, Bruxa. É dele os mistérios de cada um dos caminhos, talvez seja dele a maior das dádivas: poder caminhar entre todos os outros templos e mundos. Se o Guardião do Centro é o cuidador do fogo do coração Dela, o Guardião do Centro é bem recebido em todos os templos dos outros seis. Pode ouvir histórias do Explorador de Estrelas, contemplar o calor da Chama Brilhante, sonhar com os sonhos da Criadora de Água, visitar as cavernas e cheirar as flores da Mãe Escura, pode abrir os mundos com uma faca e ser cuidado pelo Brilho nos Céus, pode caminhar nos rios de sangue e conhecer os mistérios de onde se pisa saudando o Fogo na Terra. O sétimo guardião é o amor da deusa estrela, tocado seis vezes por todos os outros observadores.
E foi assim que aconteceu. E foi assim que o mistério surgiu.

Naê, o Bardo (ele/ela/elu) é bruxa, astrólogo e contador de histórias. Vive nas terras colonizadas dos povos guaranis, também conhecido como Campinas/SP. Naê é uma bruxa queer, não binário, pesquisador de folclore brasileiro. É iniciado na Tradição Feri pela linhagem DustBunnies de Valerie Walker. Naê também é membro da Tradição Reclaiming desde 2017, sendo um dos primeiros membros da comunidade brasileira. Sua bruxaria é especialmente enraizada na terra em que pisa, com os sabores, sons e cores da terra brasilis. Seu trabalho mágico e político é pautado no anarquismo, na compreensão do apoio mútuo e na organização de base. Seus principais aliados são os botos, a cuca, as cobras grandes. A feri de Naê é brasileira, com raízes no misticismo cristão, no culto aos santos, na devoção a São Miguel, nos mistérios das ervas, nos saberes que vem do fundo dos rios, nas rezas e nos terços, nas fitas de Senhor de Bonfim e nos doces de Cosme e Damião. Seu trabalho como astrólogo e como bruxa podem ser acompanhados pelo instagram @naedellaparma.